Todos na procura da Misericórdia
“Na Igreja, há lugar para todos. «Padre, mas para mim que sou um desgraçado, que sou uma desgraçada, também há lugar?». Há espaço para todos! Todos juntos… Peço a cada um que, na própria língua, repita comigo: «Todos, todos, todos». Não se ouve; outra vez! «Todos, todos, todos». E esta é a Igreja, a Mãe de todos. Há lugar para todos”.
Estas palavras do Papa Francisco na Cerimónia de Acolhimento da Jornada Mundial da Juventude de Lisboa 2023 foram, certamente, as que causaram mais impacto de todas as que ele nos deixou durante aqueles dias belíssimos, que uma multidão teve oportunidade de viver, e de agora continuar a partilhar.
O Santo Padre desde a primeira hora do seu pontificado revela uma vontade imensa de falar a todos da Misericórdia de Deus, de como é importante fazer dela a experiência fundante da nossa vida. “Não esqueçamos esta verdade: Deus nunca Se cansa de nos perdoar; nunca! Ele nunca se cansa de perdoar, mas nós às vezes cansamo-nos de pedir perdão. Não nos cansemos jamais, nunca nos cansemos!”. A verdade é que como afirma a Sagrada Escritura, Deus tem entranhas de misericórdia e exerce a sua justiça libertando o pecador que se arrepende e pede perdão.
O “Todos, todos, todos!” tem este alcance do Amor de Jesus que vence todas as barreiras, mas que jamais nos dispensa de fazer caminho para viver d’Ele e com Ele. A missão da Igreja é ser a Mãe que acolhe e acompanha a cada um no seu caminho de conversão ao Evangelho. As portas abertas da Igreja são sempre portas abertas a Cristo, como nos disse São João Paulo II: “Não, não tenhais medo! Antes, procurai abrir, melhor, escancarar as portas a Cristo!”. A verdade é que Cristo nunca desiste de nos fazer conhecer e viver o Amor do Pai que tem o poder de transformar a nossa vida.
A Declaração, do Dicastério para a Doutrina da Fé, Suplicantes de Fiducia, sobre o significado pastoral das bênçãos, aprovada pelo Papa, em que abre a possibilidade de abençoar casais formados por pessoas do mesmo sexo ou que vivam em situações de irregulares como divorciados e recasados, parece-me que vem nessa intenção de Francisco de não fechar a porta a ninguém.
Parece-me necessário que a Declaração e as suas propostas sejam objecto de reflexão e de um debate que ainda não está realizado no seio da Igreja que se quer sinodal. Além disso é fundamental que não se façam interpretações abusivas do que está escrito e que fique claro, como é dito no nº 4, que a doutrina sobre o matrimónio não muda, porque a bênção não significa aprovação nem legitimação da união, e está fora de hipótese qualquer ritualização e imitação do sacramento.
O discernimento do ministro, diante de quem se aproxima para suplicar o auxílio divino para a sua vida, tem sempre a ver com a vontade de conversão que este manifesta para viver de acordo com a Palavra de Deus. Importa ter consciência de que como disse o Cardeal Dom Américo, «o “Todos, todos, todos!” não significa “Tudo, tudo, tudo!”». A Igreja é Mãe e tem o dever de ajudar os seus filhos a não viverem na mentira do pecado, mas a procurarem a verdade da Graça e do Amor do Pai que os capacita para irem além da fragilidade da sua natureza.
O Cardeal Robert Sarah afirma, com uma parresia impressionante: “É óbvio que podemos rezar pelo pecador, é óbvio que podemos pedir a Deus a sua conversão. É óbvio que podemos abençoar o homem que, pouco a pouco, recorre a Deus para pedir humildemente uma graça de mudança verdadeira e radical na sua vida. A oração da Igreja não é recusada a ninguém. Mas nunca pode ser mal utilizado para se tornar uma legitimação do pecado, da estrutura do pecado, ou mesmo da ocasião iminente do pecado. O coração contrito e penitente, mesmo que ainda esteja longe da santidade, deve ser abençoado. Mas lembremo-nos que, diante da recusa da conversão e da dureza, não sai da boca de São Paulo nenhuma palavra de bênção, mas sim esta advertência: Afinal, com a tua dureza e o teu coração impenitente, estás a acumular ira sobre ti, para o dia da ira e do justo julgamento de Deus, que retribuirá a cada um conforme as suas obras” (Rm 2, 5-6).
Esta é a nossa missão: ser ministros da misericórdia de Deus para todos aqueles que acreditam e buscam em Cristo “o caminho a verdade e vida” (Cf. Jo 14, 6).