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Dom Lourenço, a praça, o bicho e a democracia

Nesta terra onde estamos viveram dinossauros, depois humanos: entre estes, provavelmente celtiberos, lusitanos, depois romanos, visigodos, árabes, francos e galegos. Os últimos residentes tomaram uma consciência nova do seu lugar e do seu destino: chamaram-se portugueses, estão cá há cerca de oito ou nove séculos. De entre os nascidos neste lugar que se chama hoje Lourinhã, o primeiro a adquirir relevo nacional chamou-se Lourenço Vicente. É por esse motivo que o celebramos; não por ele, mas por que ele simboliza a nossa presença aqui. Substituir o seu memorial na praça principal da vila por um dinossauro de plástico é um perfeito disparate.

Na praça fronteira ao edifício da Câmara Municipal foi erigido o busto de um antigo autarca: era uma pessoa estimada e muito estimável, mas não é a ele que celebramos, é ao poder autárquico democrático, que ele sinaliza. Teria pés ou cabeça substituí-lo por um dinossauro?

É por este motivo que o bicho deve desaparecer da Praça de D. Lourenço. Mas a praça não é pertença do arcebispo, que morreu há seiscentos anos, é de nós todos. Recolocar-se o memorial condignamente num dos topos ou vértices e deixar-se o centro cumprir a sua função de memória do lugar do coreto - cuja reconstrução seria igualmente anacrónica - era uma boa ideia. Ali podia a Banda tocar a alguns domingos; e cortar-se o trânsito por algumas horas seria fácil... pois se a Rua de S. Sebastião pôde ser cortada durante uma semana para a festa decorrer aos serões...

Quanto ao bicho, não tem culpa de estar ali. Puseram-no lá. A mesma entidade que está a realizar uma meritória acção de renovação urbana local, cometeu este dislate. Pois, ninguém é perfeito, mas é fácil remediar a coisa, basta tirá-lo de lá.

Isto não quer dizer que, decorrendo uma semana da paleontologia, ele não seja ali implantado, durante esse tempo; ou uma couve, durante a festa da batata; ou uma saca de batatas, pela colheita das couves...

Ouvir os munícipes antes de se efectuar mudanças drásticas também não seria nada má ideia: chama-se a isso democracia a sério. Nenhuma escola ou quartel de bombeiros, por exemplo, deveria ser deslocado sem tal consulta aos cidadãos. E informar. Informar. Informar para dar conhecimento e suscitar opinião e crítica. Também faz bem à democracia.

Finalmente, como o bicho em material sintético, permanentemente junto à Igreja de Santo António fica muito mal, pois ofende o património, ofende o bom gosto e até parece brincadeira sem graça, escrevamos cartas, postais, mensagens de correio electrónico ao presidente do Município a dizer-lhe: “Senhor presidente, tire dali o bicho!”. Ele sabe que bicho é e onde ele está. Esperemos apenas que a sua resposta não se fique por uma amável mas inconsequente promessa...

Sérgio Tovar de Carvalho