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Peritos defendem que concentração de urgências obstétricas não implica encerramentos

maternidade CHO

O grupo de peritos que propôs a reorganização dos serviços hospitalares de Obstetrícia e Ginecologia defende que a concentração de urgências não implicaria o encerramento de serviços nem o fim da actividade programada.

Na proposta de Rede de Referenciação Hospitalar em Obstetrícia, Ginecologia e Neonatologia que está em consulta pública e que já foi criticada pela Ordem dos Enfermeiros, os especialistas que propuseram a concentração de seis urgências de obstetrícia e ginecologia e blocos de partos nas regiões Norte, Centro e de Lisboa e Vale do Tejo argumentam que esta medida “não implicaria o encerramento de serviços nem a cessação da actividade programada em obstetrícia e ginecologia nos hospitais visados”.

Admitindo que a concentração de algumas urgências de Obstetrícia e Ginecologia/bloco de Partos “parece ser a única forma de assegurar rapidamente alguma estabilidade de resposta nesta área”, os peritos escrevem que esta concentração levaria a que as actividades relacionadas com a urgência, trabalho de parto, puerpério e cuidados neonatais "fossem deslocalizadas para outra instituição”.

No documento, explicam ainda que os profissionais de saúde dos hospitais visados precisariam de acordar com a instituição “a prestação da actividade semanal de urgência noutro local”, mas sublinham que se mantinha inalterada a restante actividade programada.

O grupo de peritos que elaborou esta proposta, coordenado pelo médico Diogo Ayres de Campos, diretor do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Santa Maria, defende ainda que, antes de qualquer decisão de concentração de urgências de Obstetrícia e Ginecologia/bloco de Partos, é preciso “assegurar a qualidade e a segurança dos cuidados obstétricos e neonatais nas unidades circundantes, através de visitas locais”. "A decisão final de concentrar estes recursos necessita de ser antecedida de uma avaliação detalhada das instalações e equipamentos dos hospitais circundantes, bem como dos seus recursos humanos", referem os peritos.

No documento que está em consulta pública, os 18 especialistas que o elaboraram dividem os hospitais em três níveis, sendo que na referenciação obstétrica e de diagnóstico pré-natal apenas seis são de nível III, o mais diferenciado - Braga, S. João (Porto), Centro Hospitalar do Porto, Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, Santa Maria (Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte) e Maternidade Alfredo da Costa.

Explicam que os hospitais de Nível I deverão ter um serviço de Obstetrícia e Ginecologia "adequado à resolução de patologia não-complexa" e um serviço de Pediatria "com a capacidade de prestar cuidados neonatais a recém-nascidos com idade gestacional superior a 34 semanas e, caso tenham uma Unidade de Neonatologia com capacidade de prestar cuidados neonatais especiais (...), a recém-nascidos acima das 32 semanas". No âmbito da ginecologia oncológica estes hospitais "devem garantir os meios necessários para o diagnóstico e estadiamento de tumores, podendo realizar alguns procedimentos cirúrgicos como a excisão da zona de transformação e histerectomias em tumores uterinos de bom prognóstico", escrevem.

No nível II ficam os hospitais com pelo menos 1.000 partos anuais, um serviço de Obstetrícia e Ginecologia "com a capacidade de assegurar todos os cuidados de saúde descritos para os hospitais de nível I (para a população da sua área de influência direta) e adicionalmente os cuidados necessários para a resolução de patologia obstétrica e ginecológica complexa, tendo acesso a uma Unidade de Cuidados Intensivos de Adultos". Estas unidades devem igualmente ter uma Unidade de Neonatologia.

No nível III os peritos colocam os hospitais com pelo menos 1.500 partos anuais e sediados em Hospitais Universitários, integrados em Centros Académicos Clínicos, "onde existe ensino pré e pós-graduado em Obstetrícia e Ginecologia e Pediatria". Devem ainda ter um Departamento de Obstetrícia e Ginecologia, um Serviço de Obstetrícia, um Serviço de Ginecologia e uma Unidade de Neonatologia. Estas unidades devem oferecer centros de referência para a resolução de patologia obstétrica e ginecológica de elevada complexidade. É também nestes hospitais que decorre o treino para as subespecialidades de “Oncologia Ginecológica”, “Medicina da Reprodução” e “Medicina Materno-Fetal”.

Ordem dos Enfermeiros critica proposta sobre serviços de Obstetrícia e Ginecologia

A Ordem dos Enfermeiros (OE) aponta “imprecisões, lacunas e falhas” à Rede de Referenciação Hospitalar em Obstetrícia, Ginecologia e Neonatologia, considerando grave a não inclusão destes profissionais no grupo de peritos que elaboraram a proposta. Numa posição emitida no âmbito da consulta pública do documento, que decorre desde o início do mês, a OE lamenta o facto de o grupo de trabalho não ter incluído nenhum elemento do órgão regulador da profissão. Esta opção, “centrada numa visão essencialmente médica”, não permite “a integração do conhecimento e experiência do maior grupo profissional da saúde presente nos serviços em causa” e “conduz às graves lacunas identificadas no documento”, considera a OE, sublinhando que a elaboração de “um documento estruturante” para o sistema de saúde sem a inclusão da Ordem dos Enfermeiros e dos colégios da especialidade em enfermagem competentes “reduz, condiciona e cria um importante viés quanto ao objectivo traçado”.

A OE diz que o documento, elaborado pelo grupo de trabalho coordenado pelo médico Diogo Ayres de Campos, diretor do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Santa Maria, apresenta “uma visão redutora” dos enfermeiros e dos Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica (EEESMO) e Especialistas em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica (EEESIP). “A não-inclusão de enfermeiros é particularmente grave e resulta em imprecisões, lacunas e falhas no que se refere à identificação das necessidades, dotações e implicações relativamente aos cuidados de enfermagem, cruciais na disponibilização da adequada resposta às necessidades de saúde das mulheres, filhos e famílias”, considera.

Na posição tomada, a que a Lusa teve acesso, a OE considera que, enquanto regulador da profissão, é a ela que compete pronunciar-se sobre “a determinação dos cuidados de enfermagem, dotação, requisitos técnico-científicos e condições, incluindo a definição em termos de rácios para a sua prestação” e insiste que um grupo de trabalho constituído “à margem do regulador nacional” não pode “pronunciar-se ou determinar as questões suscitadas”. Desta forma, sublinha que a determinação de enfermeiros vertida no documento, bem como a referência ao tempo (ETI) que se presume necessário para a prestação, “constitui uma ingerência grave” numa matéria da sua competência. “Não pode alguém que não possui habilitação legal e profissional para o exercício da enfermagem, ou conhecimento próprio da profissão, emanar tais determinações, sob pena de impactar de forma grave na qualidade e segurança dos cuidados de saúde prestados”, frisa a OE.

Reconhece que o documento aborda a necessidade de acordar com as ordens profissionais “equipas-tipo de médicos, enfermeiros especialistas e enfermeiros generalistas para as urgências de Obstetrícia e Ginecologia/blocos de partos”, mas sublinha que, “na sua génese e teor”, a proposta “contraria os princípios de concordância e trabalho em equipa”.

Sobre os cuidados de enfermagem de saúde materna e obstétrica, a OE aponta “a ausência a qualquer referência a consultas e outras intervenções de enfermagem pré e pós parto”, que considera fundamentais. “Não pode a Ordem dos Enfermeiros, face ao constatado, deixar de manifestar a sua oposição a um documento que se pretende estruturante na prestação de cuidados de saúde e no qual não enfermeiros procuram determinar o que fazem os enfermeiros e quantos são necessários para o fazer”, acrescenta, recomendando a revisão do documento, “integrando as diferentes dimensões de enfermagem”.

Texto: ALVORADA com agência Lusa
Fotografia: CHO (arquivo)