ONU: António Guterres pede 2023 de “super-ação” para “acabar com a emergência oceânica”
- Sociedade
- 23/01/2023 11:22
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, apelou hoje em Cabo Verde para que 2023 seja de “super-acção” por parte dos países desenvolvidos para “acabar com a emergência oceânica”. “Alguns chamaram 2022 de ‘super-ano’ do oceano, mas a corrida está longe de terminar. Precisamos fazer de 2023 um ano de 'super-ação', para que possamos acabar com a emergência oceânica de uma vez por todas”, afirmou António Guterres, ao discursar na abertura da Cimeira dos Oceanos (Ocean Race Summit), hoje, na cidade do Mindelo, Cabo Verde.
A Ocean Race Summit insere-se na primeira passagem por Cabo Verde da Ocean Race, a maior e mais antiga regata do mundo e reúne esta manhã no Mindelo, ilha de São Vicente, políticos, governantes, especialistas e outras personalidades para abordar o futuro dos oceanos. “O oceano é meio de subsistência. E o oceano está com problemas. A Humanidade tem travado uma guerra sem sentido e autodestrutiva contra a natureza. O oceano está na linha de frente da batalha, o que significa que os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS, na sigla em inglês], como Cabo Verde, também o estão”, apontou António Guterres.
Acrescentou que cerca de 35% dos ‘stoks’ pesqueiros globais estão actualmente “superexplorados” e realçou que o aquecimento global “está a elevar as temperaturas dos oceanos a novos patamares, alimentando tempestades mais frequentes e intensas, elevando o nível do mar e salinizando terras e aquíferos costeiros”, e que habitats “outrora ricos em corais estão a ser reduzidos ao esquecimento”. “Enquanto isso, produtos químicos tóxicos e milhões de toneladas de resíduos plásticos estão inundando os ecossistemas costeiros, matando ou ferindo peixes, tartarugas marinhas, aves marinhas e mamíferos marinhos, entrando na cadeia alimentar e, por fim, sendo consumidos por nós. Até 2050, pode haver mais plástico no mar do que peixes”, enfatizou.
Ainda assim, realçou a “boa notícia” de 2022: “O mundo deu alguns passos importantes para corrigir o nosso rumo. Isso inclui o acordo histórico em Nairóbi para negociar um tratado globalmente vinculativo para controlar a poluição por plásticos, inclui o acordo da Organização Mundial do Comércio para acabar com os subsídios nocivos à pesca que muitas vezes resultam em pesca ilegal”. “Na Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano, em Lisboa, os países fizeram centenas de novos compromissos voluntários e promessas para proteger o oceano, uma tendência positiva que esperamos que continue na conferência deste ano no Panamá. E na Conferência de Biodiversidade da ONU em Montreal, os países concordaram com a meta de proteger 30% da terra, água, ecossistemas costeiros e marinhos até 2030”, elencou.
No entanto, o secretário-geral da ONU recordou que falta a “efectiva implementação dos diversos instrumentos legais e políticos relacionados ao oceano”, como a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, com 40 anos completados em 2023, ou a “conclusão do há muito esperado acordo sobre a diversidade biológica marinha de áreas fora da jurisdição nacional, que cobrem mais de dois terços do nosso oceano”.
António Guterres iniciou no sábado uma visita de três dias a Cabo Verde, no âmbito da passagem (20 a 25 de Janeiro) da Ocean Race pelo Mindelo. “Reunimo-nos nas margens do poderoso Oceano Atlântico, hoje, para celebrar algo especial: a coragem inspiradora de mulheres e homens que navegam nesta cansativa regata de seis meses à volta do mundo. Também é inspirador saber que cada barco carrega equipamentos especiais para recolher dados científicos para ajudar a garantir um oceano saudável para o futuro”, reconheceu. “Porque diante das mudanças climáticas e da poluição por plásticos, a Humanidade tem sua própria corrida para vencer. A corrida para proteger os nossos oceanos para o futuro. O oceano sustenta o ar que respiramos, os alimentos que consumimos, as culturas e identidades que nos definem, os empregos e a prosperidade que nos sustentam, a regulação do tempo e do clima, e biliões de animais, plantas e microrganismos que chamam o oceano de lar. O oceano é vida”, disse ainda António Guterres.
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas defendeu , também, um “apoio maciço” aos países em desenvolvimento como uma das quatro medidas para acabar com a actual “emergência oceânica”. “Acabar com a emergência oceânica significa fornecer apoio maciço aos países em desenvolvimento que vivem com os primeiros e piores impactos da degradação de nosso clima e oceanos. Os países em desenvolvimento são vítimas de um sistema financeiro global moralmente falido, projectado pelos países ricos para beneficiar os países ricos”, afirmou.
Na intervenção de abertura, António Guterres acusou os países mais ricos de recorrentemente “negarem aos países em desenvolvimento, e nomeadamente aos países particularmente vulneráveis de renda média e Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento [SIDS, na sigla em inglês], como Cabo Verde”, financiamento concessional e “alívio” da dívida, de “que precisam”. “Continuarei a instar os líderes e as instituições financeiras internacionais para unirem forças e desenvolverem formas criativas de garantir que os países em desenvolvimento possam ter acesso ao alívio da dívida e ao financiamento concessional quando mais precisarem. Isso deve incluir a realocação de Direitos Especiais de Saque [DES] não utilizados, de acordo com as necessidades dos países em desenvolvimento”, disse. “Continuarei a pressionar para um pacote de estímulo de DES para ajudar os governos do Sul a investir em sistemas que apoiem o desenvolvimento e a resiliência e estarei sempre ao lado dos países em desenvolvimento enquanto protegerem e restaurarem os seus ecossistemas após décadas e séculos de degradação e perda”, acrescentou António Guterres.
Sublinhou, igualmente, que “acabar com a emergência oceânica requer indústrias marítimas sustentáveis”, o que “significa práticas de pesca inteligentes e sustentáveis”, incluindo a aquicultura, “para garantir uma forte indústria” do mar, no futuro. “Significa administrar e regular cuidadosamente o desenvolvimento e a extração de recursos, com precaução, protecção e conservação no centro de todas as actividades. Significa a redução e prevenção da poluição marinha de fontes terrestres e marítimas e significa parceiros públicos e privados investindo em conjunto na restauração e conservação dos ecossistemas costeiros”, apontou. “A este respeito, os países podem imitar Cabo Verde, cujas ambições de conservação e protecção marinha estão firmemente incorporadas na sua estratégia nacional de desenvolvimento sustentável, ‘Ambição 2030’”, disse.
Para o secretário-geral da ONU, acabar com a emergência oceânica significa, ainda, “vencer a corrida contra as mudanças climáticas”. “Esta é outra corrida que a Humanidade está a perder. Num momento em que devemos reduzir as emissões de gases de efeito estufa para garantir o nosso futuro neste planeta, estamos prestes a ultrapassar o limite de 1,5 graus exigido por um futuro habitável. Agora é a hora de realizar acções reais sobre o clima”, enfatizou. “Cumprir o estabelecimento do fundo de perdas e danos com o qual o mundo se comprometeu em Sharm El-Sheikh, cumprir o compromisso de 100 mil milhões de dólares, cumprir a promessa de duplicar o financiamento da adaptação, cumprir a redução das emissões, a eliminação gradual do carvão e a aceleração da revolução da energia renovável”, apelou.
“Juntamente com as instituições financeiras internacionais e o sector privado, os países desenvolvidos devem fornecer assistência financeira e técnica para ajudar as principais economias emergentes na transição para energia renovável”, insistiu, apontando como “exemplo” a Ocean Race, ao limitar as respectivas pegadas de carbono. “Por exemplo, o sector de navegação deve comprometer-se com zero emissões líquidas até 2050 e apresentar planos confiáveis para implementar esse compromisso”, defendeu.
O quarto pilar de intervenção defendido por António Guterres para acabar com a emergência oceânica passa por “implantar ciência, tecnologia e inovação numa escala sem precedentes”. “Estamos agora no terceiro ano da Década das Nações Unidas para a Ciência Oceânica. Até 2030 deveremos ter alcançado nossa meta de mapear 80% do fundo do mar. Deveremos ver novas parcerias entre pesquisadores, governos e o sector privado para apoiar a pesquisa oceânica e o planeamento e gestão sustentável dos oceanos. Deveremos ver investimentos em infraestrutura costeira de última geração e resiliente ao clima - de cidades e vilas a instalações portuárias”, afirmou. “E para proteger as comunidades costeiras e os trabalhadores marítimos de desastres naturais, deveremos investir maciçamente em tecnologias e capacidades para atingir nosso objectivo de garantir a cobertura universal do sistema de alerta precoce global nos próximos cinco anos”, acrescentou. “Acabar com a emergência oceânica é uma corrida que devemos vencer. E trabalhando juntos é uma corrida que podemos vencer”, insistiu.